Especialistas Alertam para Riscos de PL que Proíbe Delação Premiada por Presos

O projeto de lei (PL) que proíbe que pessoas presas façam delação premiada, se aprovado, vai prejudicar as investigações policiais, podendo favorecer as organizações criminosas, segundo avaliação de especialistas. A urgência do PL 4.372 de 2016 foi aprovada na quarta-feira (13) na Câmara dos Deputados em votação simbólica, quando os parlamentares não precisam registrar o voto no painel eletrônico. Roberto Uchôa, policial federal e doutorando na área de segurança pública, destaca que a delação premiada é fundamental para desvendar o funcionamento de uma organização criminosa. Em determinadas situações, para conhecer como funciona uma organização criminosa, é necessário que membros dessa organização revelem seu funcionamento, o que poupa recursos do Estado e tempo de trabalho, facilitando a descoberta de lavagem de dinheiro e repatriamento de capitais.

Uchôa exemplifica com o caso da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Torres, cujo desvendamento dos mandantes do assassinato foi possível graças à delação do policial militar Ronnie Lessa, que já estava preso. Sem a delação de Lessa, não seria possível descobrir o envolvimento do ex-chefe da Polícia Civil no caso. Com a urgência aprovada, o mérito do texto pode ser pautado a qualquer momento no plenário, sem necessidade de passar por análise nas comissões. Apesar da votação simbólica, lideranças de partidos como PT, PCdoB, PSB, PSOL, Rede, Novo e alguns parlamentares manifestaram-se contra a aprovação dessa urgência.

A integrante da executiva-nacional da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), Tânia Maria de Oliveira, também avalia que o projeto prejudica investigações, lembrando que o tema foi inicialmente proposto em 2016 pelo então deputado Wadih Damous (PT-RJ) como uma resposta aos supostos abusos da operação Lava Jato. A delação passou a ser usada a partir de 2014 pela Operação Lava Jato de forma abusiva e ilegal, com prisões realizadas para forçar delações. No entanto, brechas na lei que permitiam esses abusos foram sanadas pela Lei 13.964, aprovada em 2019, conhecida como Pacote Anti-Crime, que proibiu delações sobre temas não relacionados com a investigação e vetou delações de crimes nos quais o réu não tenha participado.

Segundo a jurista, o projeto em tramitação pode ter interesses para além dos possíveis efeitos jurídicos, pois muitas investigações estão em curso e há muitas pessoas procuradas e foragidas. Defendendo a matéria no plenário, o deputado federal Luciano Amaral (PV-AL) argumentou que é preciso aprimorar a lei de colaboração premiada no Brasil para impedir colaborações de réus presos feitas sob pressão e permitir que terceiros implicados possam impugnar o acordo de colaboração e a decisão homologatória.

Luciano Amaral afirma que a medida tem natureza eminentemente técnica e não visa atingir investigações ou processos específicos, considerando tal alegação uma falsa narrativa para impedir o aprimoramento da legislação. O pedido de urgência foi assinado por lideranças do PL, Solidariedade, União Brasil, Podemos e MDB, revelando o apoio significativo ao texto na Casa. Tânia Maria de Oliveira esclarece que a aprovação do projeto não teria o poder de retroagir para beneficiar investigados acusados por delação de réu preso, pois trata-se de uma lei processual, aplicada a partir de sua sanção.

A jurista também ressalta que os abusos usados como argumento para acabar com a delação de pessoa presa são desvios da lei, não sendo a lei em si ilegal. Roberto Uchôa complementa que, em casos de abusos, deve-se punir o servidor que violou a lei, sem desmontar o instituto da delação. Tânia de Oliveira ainda argumenta que o projeto pode ser inconstitucional por impedir que a pessoa presa acesse o benefício da delação para reduzir sua pena, sustentando que a pessoa tem o direito de fazer a delação, se desejar.